Formação
de quadrilha! Onde?
-
Cerca de 50 mil páginas;
-
Cerca de 100 horas de julgamento (certamente o mais extenso na história desse
país);
-
Quase 200 milhões de reais desviados;
-
Quase 40 corruptos envolvidos (só faltou o Ali Babá).
Afetados
pelos “quases” e “cercas”, milhões de brasileiros lamentam a decisão do Supremo
Tribunal Federal (não apenas no tocante à formação de quadrilha).
Antes,
alguns desses corruptos avacalharam a Câmara Federal dos Deputados; outros, o
Senado. Sobrepondo-se a isso, parte deles (os já condenados) decidiram
avacalhar também o presídio (como se não bastasse o estado em que os mesmos se
encontram).
Por
outro lado, com o suor da labuta e as lágrimas das perdas, feitos abelhas em
colmeia, milhões de brasileiros continuam sintetizando um precioso líquido.
Sempre
que penso nesse líquido penso na palavra dignidade. E não seria o STF a
instância máxima da reserva moral de um país? O mais legítimo “guardador” desse
sagrado manancial? Pois é, manancial, feito um rodopio, a palavra me traz de
volta a imagem do líquido.
Sim! O
líquido precioso, cuja fórmula básica inclui: dedicação diária e inexplicável
de educadores, empreendedorismo de milhares de empresários, risco quase suicida
de policiais...
Impossível
esquecer as palavras do ministro Joaquim Barbosa:
"Esta
é uma tarde triste para o Supremo Tribunal Federal, porque, com argumentos
pífios, foi reformada, foi jogada por
terra, extirpada do mundo jurídico, uma decisão plenária sólida, extremamente
bem fundamentada, que foi aquela tomada por este plenário no segundo semestre
de 2012".
Quase
impossível será também esquecer as palavras do ministro barroso:
"
Sou e penso, eu não temo ser criticado..."
Frase
que me remete a outra, proferida pelo genial psicanalista francês Jacques
Lacan:
"Sou
onde não penso, penso onde não sou"
Com
Lacan aprendi que "o inconsciente é estruturado como uma linguagem"
(daí o cuidado que tenho com as palavras) . Já com o Supremo Tribunal nada
aprendi... Mas creio não ser oportuno me aprofundar na dimensão simbólica que
trazem os estudos do doutor Jacques Lacan.
Voltando
aos ministros, Barbosa e barroso, noto que os nomes são parecidos, porém
separados por um oceano de interpretações (ou intenções?).
Distraído
nem percebi que o dia avançou, pois o segundo crepúsculo já se anuncia.
Pela janela
que encima a escrivaninha, colho nos olhos as cores que ainda restam do dia, feito
"laranjas" cuidadosamente postas no horizonte...
De um
instante, trêmulas minhas mãos cobrem meus olhos já umedecidos...
Não,
caríssimo Joaquim, não foi apenas o seu trabalho que foi jogado no lixo. Feito
o segundo crepúsculo, que de mansinho nos leva a doce claridade do dia, com a
absolvição dos réus também foi levado o trabalho de centenas de milhares de
educadores. Educadores como eu, que súbito compreendeu que o esforço de toda
uma vida nada valeu.
Agora,
diante de tais circunstâncias, como convencer alunos de que o trabalho e a
dignidade é o melhor caminho. Certamente a energia de um educador vem da
vontade que ele tem de transmitir valores: valores que acredita e confia. Sinto
que, a partir de tão equivocada absolvição, e de tudo que ela implica, nossas
vozes se tornaram mais fracas, quase imperceptíveis.
De
novo o sonho, os números e as palavras de Joaquim Barbosa...
- Ação
Penal 470: 6 votos a favor da absolvição e 5 contra;
- Maioria feita sob medida.
Triste,
como a tarde de Joaquim, antevejo mãos enlameadas (ou barrosas) distorcendo e
sujando palavras: signos sagrados... Confusas, vindas não sei de onde, frases
GRITAM em meus ouvidos:
DIAS
obscuros.
ROSAS
CARMINS, desfolhadas e murchas, jazem no rés do chão.
TEORIas
que mais se parecem com gelatinas suspensas por elásticos.
Mar de
BARRO LEWANDO tudo que plantamos... inclusive o sonho de construirmos um Brasil
melhor.
É
verão e estamos às vésperas do carnaval. Silenciosamente, na sala principal do
Supremo Tribunal Federal, a enigmática fenda se abre (vórtice cujo pesadelo se
tornou em mim peremptório). Evanescente, pela fenda o precioso líquido escoa.
A
melancolia da tarde me traz um estranho sentimento: o desejo de abandonar o
ofício de lecionar... Mas como arrancar esse dom que a infinita misericórdia de
Deus carinhosamente colocou em mim? Como apagar tão bela e divina chama?
por Silvio Pélico