Não estava no Power
Point!
Manhã de abril. Feito um
véu alaranjado, a luz do outono descia sobre o pátio da escola. E ali
estávamos, perfilados. Era sempre a primeira atividade do dia, momento em que o
diretor nos pedia para cantar o hino nacional — doce pedido. Em seguida o
diretor, um brilhante professor de História, fazia um breve discurso: quase
sempre ligado à Educação Moral e Cívica. Sim, havia essa matéria nas escolas.
Mas naquela manhã o
discurso foi mais longo. Assim que terminamos de cantar o hino, ele subiu no
pequeno palco e, por cerca de uma hora, conscientizou-nos da importância da
Petrobras, de todo o valor estratégico que possuía. E havia um motivo para o
longo discurso: perfuração do primeiro poço submarino na Bacia de Campos, no
RJ.
"Pois é, meus queridos alunos, brasileiros: o petróleo é
nosso!" Frase essa que ele vivia repetindo: "o petróleo é
nosso!"
No discurso falou sobre a
logística da extração do óleo, do riquíssimo poço que começava a ser explorado,
dos benefícios que ele traria ao Brasil... Já na ponta dos pés, no final do
discurso, pediu que cantássemos mais uma vez o hino nacional.
Confesso que raríssimas
vezes em minha vida me senti tão orgulhoso por ser brasileiro. Enquanto
cantávamos, chorávamos de felicidade.
Difícil explicar tão
complexo sentimento. A cada hino e a cada discurso cívico um tantinho de amor pelo
Brasil se expandia em nós. O certo é que entre as salas de aula, o pátio e os
belíssimos jardins nos sentíamos felizes e protegidos. Sabíamos que o diretor,
os professores, os monitores e a atenta inspetora verdadeiramente nos amavam,
que havia sinceridade naquela atenção e naqueles cuidados...
Além dos educadores, ao
lado do portão principal, havia o incansável guarda civil: seu José.
"Obedeçam seus pais e professores para que no futuro eu não tenha de
prendê-los"; dizia ele, trazendo no canto dos lábios um discreto sorriso.
Lembro-me bem do seu José, figura simpática, andando para lá e para cá em
frente ao portão principal, vez ou outra tirando o quepe para um breve coçar de
cabeça. E não havia sinais de intimidação em seus gestos: nunca segurava ou
alisava o revólver no coldre, hábito frequente entre os policiais.
Via naquelas autoridades
locais uma extensão das demais autoridades: prefeitos, governadores, deputados...
Sentia pelas autoridades políticas o
mesmo afeto que sentia por aqueles educadores próximos.
Essas lembranças me
alcançam no momento em que leio na tela do computador uma notícia sobre a
Petrobras: "Suspeitas de superfaturamento e evasão de divisas na compra da
refinaria de Pasadena, no Texas, em 2006".
Em depoimento no Senado, Graça Foster
afirma: "Informações preciosas, como a cláusula 'Put Option', não estavam
no Power Point".
Será que nenhum assessor da ministra-chefe
da Casa Civil (Dilma) leu na íntegra o contrato? Será que a equipe
administrativa, a financeira e os vários advogados só conheciam o que estava no
Power Point? Então o que não estava no Power Point não estava na vida? Súbito
me lembrei de Tom Jobim: "O Brasil não é para principiantes".
Quase em transe, a esmo começo a navegar pela
internet. Cliques no mouse me levam a outras notícias:
— Superfaturamento na construção da
refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco;
— Pagamento de propina a funcionários da petroleira pela companhia holandesa SBM Offshore;
— Pagamento de propina a funcionários da petroleira pela companhia holandesa SBM Offshore;
— Operação intitulada "Lava Jato",
feita pela Polícia Federal, prende várias pessoas;
— Prisão do ex-diretor de “Abastecimento da
Petrobras”, Paulo Roberto Costa.
A imagem circunspecta do outro
diretor, nas pontas dos pés, surge de novo em minha mente. Quase posso ouvir, em uníssono, os alunos cantando o hino nacional... Sofro.
De um instante as lágrimas me descem dos olhos. Sofro por pressentir que aqueles belos sonhos foram deixados para trás, esquecidos: foram grandes demais para caberem no Power Point do Brasil de hoje. Sofro por temer um dia desaprender de amar o Brasil. Sofro por temer um dia desaprender de chorar por um sonho perdido... E também sofro por temer um dia não saber responder para mim mesmo uma simples pergunta... Aonde foi parar aquele Brasil que um dia tanto eu amei?