Petrobras: Eu não mereço ser estuprada!
Envolvida em doce
refração azul e acariciada pelos voos rasantes das gaivotas, florescia eu entre
o mar e o céu.
Saudosa, lembro-me ainda
dos nobres espaços por onde desfilava: jornais, revistas, televisão, palestras
em auditórios universitários... E não era só aqui no Brasil não, era nobre
também no exterior.
Em 1968, com apenas
15 aninhos, debutei com a perfuração do primeiro poço submarino
na Bacia de Campos, no RJ. Hoje, entre fixas e flutuantes, são 93 plataformas
de produção em alto-mar, que produzem 85% do petróleo brasileiro.
Por um bom tempo, fui líder em tecnologia na exploração de
petróleo em águas profundas. Com a descoberta do pré-sal, abriu-se a
perspectiva de se produzir, até 2020, 4,2 milhões de barris por dia. Com os
primeiros três campos do pré-sal (Tupi, Lara e Parque das Baleias), minhas
reservas saltaram de 14 bilhões de barris para 33 bilhões. E outras prováveis
reservas podem elevar em mais de 100 bilhões de barris. Nada mal, hein?
Porém, há onze anos, fui sequestrada por um bando de
malfeitores, gente desqualificada, picaretas da pior espécie. A partir daí, meus
caminhos foram ficando cada vez mais obscuros, pois as notícias sobre mim só
pioraram:
— Petrobras é usada em tramoias políticas;
— Maracutaia envolvendo a Petrobras;
— Marcos Valério revela que a Petrobras foi usada para
financiar negócios do PT;
— Chantagem paga com dinheiro da estatal.
Recentemente, o empresário Caio Gorentzvaig,
ex-acionista da Petroquímica Triunfo, postou um vídeo na internet informando em
que esses picaretas me transformaram: "Um verdadeiro condomínio político
de ladrões de primeira linha". Pensava ser um condomínio de cientistas,
técnicos e funcionários altamente qualificados, mas não de ladrões... Irritado,
o empresário exige que o Ministério Público e a Polícia Federal tomem as
devidas providências, pois diz ter em mãos documentos que comprovam tudo que
afirma.
De um instante me
lembrei da lenda mascarada... Na belíssima Califórnia, o vagaroso poente aos
poucos se despede do vilarejo. Na taberna, o pançudo sargento Garcia e o
dorminhoco cabo Reyes, empunhando generosas canecas de vinho, reclamam das
agruras do dia. Sob a proteção do corrupto capitão Monastário, malfeitores
usurpam e empobrecem a região... Quando o Estado já não é capaz de cuidar das
coisas do Estado, só o que nos resta é chamar o Zorro.
Feito um poente, vagarosa saiu da lenda e volto à realidade. Hoje,
noto que o líquido ouro negro, extraído com sacrifício das profundezas, escorre
barato em mãos indignas, deixando-me, como o vilarejo da ficção, cada dia mais
pobre. Sem investimentos à altura das minhas urgências e necessidades,
tornei-me estragada e obsoleta. Até a Ecopetrol, estatal petrolífera
colombiana, passou-me para trás.
Desfalecida, percebo que as carícias dos voos das gaivotas
deram lugar a duras facadas em meu frágil ventre. Usada e abusada até as
entranhas, sangro... A doce refração azul se transformou num pesado nevoeiro
cinza. Em vez de mar, meus pés se afundam em grossa lama.
Antes, daquele cristalino céu noturno, a reluzente estrela d'alva embalava meus sonhos. Agora, num escuro e desfocado céu, só o que flutua é uma abjeta estrela avermelhada: fábrica incessante de misérias e pesadelos.